A revanche de ilha paradisíaca que virou 'inferno na Terra' por excesso de turistas
Antigamente, Comino era um paraíso quase vazio. Agora, é um dos destinos turísticos mais disputados do arquipélago maltês. O pequeno paraíso de Comino, no...

Antigamente, Comino era um paraíso quase vazio. Agora, é um dos destinos turísticos mais disputados do arquipélago maltês. O pequeno paraíso de Comino, no Mediterrâneo, é frequentemente invadido por turistas, muitos deles atraídos pelas icônicas imagens da ilha nas redes sociais Getty Images via BBC Sentado em uma cafeteria na baía de Marfa, em Malta, Colin Backhouse observa um pedaço de terra minúsculo no horizonte. Trata-se da ilhota de Comino, uma laje rochosa de 3 km por 5 km cozida pelo sol, rodeada pelo mar cintilante, com coloração que varia do azul-marinho até o brilhante turquesa. Antigamente, Comino era um paraíso quase vazio. Agora, é um dos destinos turísticos mais disputados do arquipélago maltês. Com mais de 51 mil seguidores na sua página popular no Facebook, Malta Holiday Experiences, Backhouse dedica seu tempo a recomendar os melhores pontos para explorar pelas ilhas maltesas. Mas existe um lugar que ele se recusa a indicar. "É maravilhoso nesta época do ano", afirma ele, apontando para a ilhota sem carros, localizada entre Malta e a ilha de Gozo. "Mas no verão? Não tem dinheiro que me pague para chegar perto. É o inferno na Terra." A Lagoa Azul de Comino atrai dezenas de milhares de visitantes de todo o mundo, todos os anos. O local é o sonho dos fotógrafos e um dos destinos mais espetaculares do Mediterrâneo. O tom vívido da baía, gerado pela luz solar que reflete o leito marinho de calcário branco, cintila sob o sol do Mediterrâneo, formando uma paisagem perfeita para fotos exuberantes. Na baixa estação de dezembro a fevereiro, as águas da baía permanecem pouco agitadas, exceto pelo suave murmúrio das gaivotas aterrissando. A costa é silenciosa e intocada. Mas, no verão, a história é outra. Multidões disputam ombro a ombro os espaços disponíveis. Os resíduos transbordam dos cestos de lixo superlotados e ficam emaranhados entre os arbustos de roseiras pisoteados. Barcos a motor saem lançando músicas ao vento, queimando gasolina e deixando para trás um rastro de danos ambientais. 'Turismofobia': por que destinos turísticos estão se esforçando para espantar visitantes A Lagoa Azul de Comino é um dos mais belos destinos turísticos do Mediterrâneo Getty Images via BBC Backhouse relembra o tempo em que Comino parecia um refúgio isolado. "Visitei pela primeira vez em 1980", ele conta. "Naquela época, você conseguia ter todo o lugar para si próprio. Infelizmente, observei pessoalmente a destruição ao longo das décadas. Realmente, não sei por que as pessoas ainda se importam com a ilha." E Backhouse não é o único a manifestar este sentimento. A frustração com o turismo excessivo em Comino vem crescendo há anos e alguns visitantes desiludidos chegam a chamar a viagem de um dia a partir de Malta de scam (golpe). Os barcos superlotados, poucas diversões e a degradação ambiental cada vez maior aumentaram as pressões para que as autoridades tomassem providências. Em resposta, surgiram os ativistas. Em 2022, um grupo local chamado Moviment Graffitti tomou para si o desafio, retirando da ilha suas cadeiras de praia e espreguiçadeiras. Eles protestavam contra o que consideravam exploração do espaço público para lucro privado. Sua mensagem era clara: Comino deveria ser protegida e não usurpada. Por que os europeus estão revoltados com o turismo de massa? Cenário de cinema A ascensão da ilha para se tornar um destino dos sonhos é um processo interessante. Comino serviu de cenário para filmes e séries como O Conde de Monte Cristo (2002), Troia (2004) e rapidamente em Game of Thrones (2011-2019). Com isso, a Lagoa Azul passou a ser uma conhecida joia cinematográfica. Mas as redes sociais fizeram a popularidade da ilha disparar. Suas águas cintilantes e surreais começaram a atrair visitantes de todo o mundo, em busca da foto perfeita. "Ela está no topo da lista de desejos de muitos visitantes que chegam às ilhas maltesas", conta Rebecca Millo, chefe de marketing e comunicação corporativa da companhia aérea nacional KM Malta. "Muitas pessoas simplesmente querem ir direto para lá." Mas as mudanças, finalmente, estão chegando. Comino foi incluída na rede de áreas protegidas da União Europeia chamada Natura 2000. E, neste ano, em uma medida para frear o turismo de massa e aliviar a pressão sobre a ilha, as autoridades maltesas estão fixando um limite diário de visitantes. O número de visitantes de barco será reduzido de 10 mil para 5 mil por dia. Este é um passo significativo na direção certa. Mas, para ativistas ambientais como Mark Sultana, CEO (diretor-executivo) da organização BirdLife Malta, é uma solução apenas parcial. Para ele, "limitar os números é um bom começo. Mas precisamos de um plano público de sustentabilidade que não se concentre apenas no controle das multidões, mas sim na preservação do frágil ecossistema de Comino." "Defendemos que é preciso haver um sistema de controle de ingressos que permita apenas a emissão de um número limitado de bilhetes diários", destaca Sultana. Este tipo de dificuldade não é exclusivo de Comino. Em todo o Mediterrâneo, os governos estão restringindo as regulamentações para combater o turismo excessivo. Veneza, na Itália, começou a cobrar entrada de turistas de um dia e Atenas, na Grécia, impôs limites ao número diário de visitantes na Acrópole. Estas medidas sinalizam uma mudança mais ampla rumo a um turismo mais sustentável. A guia de turismo Joanne Gatt, da Seasoned Malta, ouve uma queixa recorrente dos turistas: visitar a ilha minúscula não é a experiência que eles contrataram. "Eles vão para Comino esperando o paraíso e saem de lá decepcionados", ela conta. "Superlotada e caótica. Tomara que o limite de visitantes faça realmente a diferença." Com as novas regulamentações em vigor, a esperança é que Comino possa recuperar parte do seu charme perdido, oferecendo uma experiência mais agradável e protegendo seu ecossistema. Mas algumas pessoas acham que o dano já está feito. "Com tantas pessoas deteriorando a ilha, ano após ano, só espero que sobre alguma coisa para as gerações futuras poderem desfrutar", conclui Gatt. Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Travel.